quinta-feira, maio 20, 2010

Síndrome

Por Luiz Fernando Verissimo

Sobre a suposta falta de jeito da Dilma como candidata, ou no que a Dilma não é nada como o Lula. Há tempos escrevi que vivíamos num vai e vem entre duas formas de ditadura, a ditadura mesmo e a ditadura da personalidade. Só Dutra, Sarney e Itamar, não por acaso três homens com nenhum carisma, que foram mais transições do que presidentes, escaparam da síndrome. O governo Juscelino foi "normal" só na fachada, já que poucas vezes uma personalidade determinou a política de uma era como a dele, mesmo respeitando as formalidades democráticas. A síndrome é antiga. Depois do Estado Novo veio o Dutra, depois da breve volta do Getúlio e dos anos com a grife JK veio o Jânio, uma espécie de apoteose burlesca do poder personalizado. Depois da renúncia de Jânio, da frustração com Jango, dos vinte anos de governo de generais intercambiáveis e da transição Sarney, Collor, para mostrar que a nação não aprendera com Jânio a desconfiar dos homens providenciais. Na origem desta alternância entre duas formas de poder excepcional, sem cara ou com cara demais, estava uma descrença nacional com as regras de uma democracia ortodoxa. Só acreditávamos em exceções das regras. Nossas opções eram os ditadores ou os malucos, com curtos intervalos de ortodoxia. Só a proteção de um Deus, que, se não é brasileiro, é simpatizante, nos poupou de alguém que acumulasse as duas condições, de ditador e doido.
O governo Fernando Henrique, na minha opinião, significou uma volta à ditadura da personalidade. Ele não era nem maluco nem discricionário, mas a soma dos seus atributos pessoais — que incluíam desde a simpatia e a boa estampa até a inibição que sua biografia impunha aos críticos — lhe dava um poder que só podia ser chamado de exceção. A indulgência da imprensa e do público que o reelegeu se explica pelo fascínio da personalidade. O que seria um presidente realmente moderno, símbolo de uma maturidade política finalmente alcançada, na verdade fazia parte da velha alternância entre o poder autoritário e o poder como sortilégio.
O que veio depois foi, está sendo, um exemplo ainda mais claro desta constante. Lula continuar com os mesmos índices de popularidade quase no fim do seu governo, apesar do massacre da grande imprensa, mostra que a sua personalidade se impôs a tudo. Nunca antes na história deste país, desde, quem sabe, Getúlio, houve um sortilégio maior que o do Lula, que também não é nem maluco nem totalitário, graças ao nosso amigo Deus.
Dilma no governo seria uma anti-Lula para confirmar a síndrome do nosso vai e vem. Serra, outro sem nenhum sortilégio aparente, também.